13 janeiro 2008

À procura da aventura e do real

O cineasta Jorge Bodanzky visita Salzburg

por Thomas Frisch

Ninguém nasce realizador de filmes. Nem mesmo Jorge Bodanzky, cineasta brasileiro com raízes austríacas, que veio para apresentar uma das suas obras mais importantes “Iracema – uma Transa Amazônica” no Festival de Cinema Brasil Plural em Salzburg. Na sua décima edição o festival de filmes brasileiros aconteceu pela terceira vez em Salzburg, no Elmo Kino, sob organização de Elóide Kilp, professora de Língua Portuguesa e Cultura Brasileira na Universidade de Salzburg. Nesse ambiente, tive o prazer de fazer uma pequena entrevista com Bodanzky no Café do Elmo-Kino depois da exibição de “Iracema”.

Da Fotografia para o Cinema

Fotógrafo para vários jornais e magazines, Bodanzky viajou pelo mundo inteiro, mas chegou um dia em que ele achou a fotografia simples demais. Como sempre gostou de trabalhar com pessoas, trocou a máquina fotográfica por um aparelho que também grava movimentos. Começou a trabalhar como operador de câmera e foi estudar câmera na Alemanha antes de lançar seu primeiro filme como realizador. O curta-metragem “Caminhos de Valderez” (1971) que foi uma espécie de ensaio para Iracema (1974). O filme que foi selecionado para ser apresentado no Festival trata de uma prostituta cujo nome dá o título ao filme e sua viagem pela Transamazônica. Essa estrada construída nos anos 70 liga desde então as cidades de Brasília e Belém e foi a causa de vasta devastação da floresta amazônica, indissociável de grandes problemas sociais. Assim o filme é uma obra pioneira por mostrar pela primeira vez o lado escuro da época do tão propagandeado progresso em plena ditadura militar.

Resistência e denúncia social

Por este motivo, o filme foi censurado por 7 anos sendo liberado apenas em 1981. Enquanto era um grande sucesso na Europa com estréias no festival de Cannes, entre outros, a recepção no Brasil ocorreu clandestinamente em cineclubes, cinematecas e diretórios acadêmicos. Depois de cada exibição, os vários tópicos eram discutidos em debates. Desta forma, contribuiu a estabelecer uma consciência para o que estava acontecendo na Amazônia e ajudou a criar um aspeto solidário entre os grupos de resistência contra a ditadura militar. A denúncia social ou podemos dizer uma certa preocupação com as realidades menos bonitas representa um leitmotiv que se pode achar em quase qualquer filme do Bodanzky. “Os Mucker”, ”Jari” ou “Terceiro Milênio” são só alguns exemplos.

Elementos documentários e ficcionais

Em Iracema pode-se observar muito bem um traço que é imanente em todos os filmes de Bodanzky e que perfaz o seu próprio estilo: a mistura do documental e ficcional. Segundo o cineasta, isto se deu principalmente por causa das possibilidades que resultaram das novas técnicas no início de sua carreira com a câmera leve e som direto. Seus filmes sempre contêm os dois elementos, um mais próximo ao lado ficcional, outro mais voltado ao lado documental. Embora ele produza essa mistura intencionalmente, prefere contar a história e brincar com os dois gêneros ao aplicar alguma teoria para justificar a sua metodologia.

Espontaneidade e improvisação

Outra particularidade de seu estilo se expressa na importância da espontaneidade e improvisação na hora da filmagem. Sempre trabalhando com uma equipe pequena, muitas vezes são poucas as pessoas que sabem o momento em que realmente está filmando. Com a câmera na mão o tempo todo, são rodados cenas inúmeras mas nenhuma por uma segunda vez para evitar um efeito “teatralizado”. Ele procura a autenticidade, o real. Mesmo que as personagens sejam pessoas interessantes e até populares, procura mostrar não o brilhante e heróico, mas o comum nelas. Assim Iracema é uma mulher jovem com um nome comum, apresentando traços típicos da população amazônica e uma biografia que é semelhante à milhares de mulheres da região ao longo da Transamazônica.

A obsessão pela aventura e interesse antropológico

Quando Bodanzky realiza um dos seus projetos, sempre está ligado a uma viagem e uma aventura. Nem precisa ser uma expedição pela aldeia mais remota do Alto Rio Negro mesmo que seja seu destino preferido. Fez filmes sobre prédios ocupados em São Paulo, velejou a Antarctica para gravar um filme para crianças e até reviajou a rota que Lévi-Strauss descreveu no seu livro “Triste Tropique” nos anos 30. Não só nesse projeto percebe-se o profundo interesse antropológico, mas também é sabido que durante suas várias viagens pela floresta amazônica conhece e convive com diferentes populações indígenas.

A paixão pela Amazônia e a crença na tecnologia

A região amazônica também é o local de seu projeto mais recente que se adota muito nos últimos anos e que vale muito para ele, como enfatiza na entrevista. “Navegar Amazônia” se chama a iniciativa que quer familiarizar as comunidades ribeirinhas com as novas tecnologias de internet e vídeo. Com uma emissora não de TV mas da internet, o projeta tem por objetivo gerar uma plataforma que deve funcionar para o diálogo entre os habitantes das comunidades e o mundo inteiro. Porque, referindo-se à problemática da região, é fundamental que as populações, que vivem naquela área, sejam incluídas no conhecimento, pois elas que convivem com a natureza tem uma sabedoria preciosíssima e um direito à participação política nas perguntas que lhes afetam em primeiro lugar.

O documentário “Navegar Amazônia – uma viagem com Jorge Mautner” apresenta o projeto de forma cinegráfica e recentemente ganhou o prêmio por melhor documentário no Amazonas Film Festival. Parabéns e boa sorte para as próximas navegações!

Mais informações:

Visite: http://www.navegaramazonia.org.br/pt/
http://www.brasilplural.org/bp10/pt_index.htm
Mattos, Carlos Alberto. Jorge Bodanzky - o homem com a câmera. São Paulo: Fundação Padre Anchieta, 2006